20 de dezembro de 2014

A quem se molha

De pequeno me descriei com o que aprendi e tudo que desaprendi veio da rua, da árvore, do rio, da palavra. Do folclore e do gentio. Com a palavra escrita que não falava, caí, com ela demorei a me deitar. Restou a chuva sacra respingandinho naquela porta velha emperrada de madeira envernizada. Coitado do menino que ficou atrás da porta velha emperrada, nem os pingos viu. Pobrezinho, não desaprendeu nada nessa vida.
E eu corri. Corri de formigas e de discos voadores. Construí hidrelétricas e ônibus espaciais.
E eu cansei. Cansei de pássaros e de gritos histéricos. Construí ilusões e cataventos.
Voltei logo quando a lua crescente vinha rasgando as nuvens, pensei ser um sinal, como aquele que me contaram dos reis magos, pena não lembrar o nome dos reis agora, na verdade queria ser um deles só pra ter um camelo e chamá-lo Gibraltar.
Quando cheguei, cansado, descobri que havia saído pelos fundos, como todo menino. E ele estava lá do mesmo jeito, sentado feito índio, o menino. De arranhão, braço quebrado, unha roxa, nem sinal.
Quem sabe era por isso que ele nunca saiu escondido, não era medo de pular o portão, era porque eu sempre voltava com os bolsos cheios de histórias e pitangas. A essa altura não há mais histórias, apenas memórias, ah o cheiro de pitanga molhada!
Pobrezinho, não desaprendi nada nessa vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário