18 de fevereiro de 2011

Depois de Qualquer Palavra


Depois da nuvem, o sol ou a chuva?
Depois da chuva, o frio ou o calor?
Depois do calor, o outono ou a primavera?
Depois da primavera, o fruto ou a flor?
Depois da flor, o amor ou o ódio?
Depois do ódio, a vida ou a morte?
Depois da morte, o tudo ou o nada?
Depois do nada, o fim ou o recomeço?
Depois do recomeço, a reflexão ou a ação?
Depois da ação, o arrependimento ou a convicção?
Depois da convicção, o certo ou o acaso?
Depois do acaso, é só você!

A nuvem, a chuva, o calor e a primavera
A flor, o ódio, a morte e o nada
O recomeço, a ação, a convicção e o acaso
Depois de qualquer palavra você me aparece

Venha que o ciclo já vai começar
E o acaso teima em te encontrar

Depois, você. Depois, você. Depois, você. Depois, ...

11 de fevereiro de 2011

Réquiem por Ruth Handler

Trechos do poema.....


Morreu ontem a mãe da Barbie,
a boneca adolescente. A filha
que nunca será órfã, pequeno duende
de sutiã 38 e de 33 polegadas
de altura
Morreu a mãe da Barbie, que vai
a todas as festas  de gala e enegreceu
há uns anos, qual Naomi Campbell, para
ser consumida pela boa
consciência racial do Ocidente
Morreu a mãe da Barbie, que jamais a viu
padecer de uma gravidez adolescente, nem paixão, nem desgosto, nem fome
A Barbie é sabida e deve ter tido educação
sexual. Que fará ela com Ken
no regresso de tantas festas
Morreu a mãe da Barbie, cedo demais
para inventar uma Barbie de burka,
ou com explosivos escondidos no cinto...

Inês Lourenço

Tratado sobre o início, o meio e o final

Normalmente não se escreve para agradar quem está lendo, mas sim quem está escrevendo. E o que me agrada? Escrever sem início, sem tema predisposto. Limitações de tema servem bem ao vestibular, não a minha causa de escrever devaneios. Gosto do caos, porém não acredito em acaso, é essa maldita pequenês cósmica de probabilidades infinitas que te fazem encontrar quem você realmente gosta. E daí? E daí que pra mim isso significa algo, o que é ainda não sei. Por isso inícios não me agradam, desconheço meu próprio princípio, então por que meu texto teria de ter um?
 
Os meios são desgastantes, iguais, tediosos, idênticos, os mesmos, o dia a dia. Parecem dízimas periódicas atormentando a vida de todos com problemas rotineiros e alegrias rotineiras, nada de diferente aparece neles. Esse afunilamento a toda manhã que nos torna iguais ao que éramos na véspera me tira o sono. Percebe-se que escrever sobre os meios pode não ser uma boa alternativa.
 
Ah o final sim é empolgante... só de vez em quando! Às vezes o mocinho morre, o amor acaba, a esperança corre. Como o início, o final é desconhecido, porém é o presente que explica o passado. O fim é uma representação cômica ou trágica do começo.
 
Portanto o que temos aqui é a tentativa de fazer a fina arte de entrelaçar o menos possível de meios deixando expostos os inícios e os finais.
Então por que escrevo? Para inventar o início, o meio e o final! Então por que escrevo? Para fugir, você sabe de quem!

10 de fevereiro de 2011

Argumento Ornitológico


Eu fecho os olhos e vejo um bando de pássaros. A visão dura um segundo ou talvez menos; não sei quantos pássaros vi. Era definido ou indefinido o seu número? O problema envolve o da existência de Deus. Se Deus existe, o número é definido, porque Deus sabe quantos pássaros eu vi. Se Deus não existe, o número é indefinido, porque ninguém pode fazer a conta. Eu tenho certeza de que vi menos de dez pássaros e mais de um, mas não vi nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três ou dois pássaros. Eu vi um número entre dez e um, que não é nove, oito, sete, seis etc. Esse número é inconcebível, mas é inteiro; Minha opinião ornitológica, Deus existe. 

Jorge Luís Borges

Encarnando o Verbo

E o verbo se fez carne. E o verbo se fez palavra. E o verbo se fez ação. O verbo alegrava alguns, mas irritava outros com suas ações subordinadas ao sujeito. Não me pergunte quem era o sujeito, todos diziam já naquele tempo que ele era oculto. O verbo não passava de um Judas, um traidor. O coitado do verbo foi perdendo corpo e ficando desgostoso com a língua do povo, não se bicavam mais, briga feia que ficou por isso mesmo. Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem porque ele só abana o rabo! Que nada, vou aproveitar que a língua está bem longe e quieta para deixar o verbo encarnar e divertir-se aqui!