20 de julho de 2011

Ou ponto. Ou interrogação?

Minha linguagem não é feita de pontuação! Esconjuro ponto final, dois pontos, reticências, vírgula, ponto e vírgula e ponto de exclamação. Exceto um, o de interrogação. Este encanta. 
Os demais pontos separam palavras, discursos, ódios, amores, certezas e incertezas. Falo sobre vivência, não literatura pontuada como esta. 
A interrogação atrai as palavras. Esses são seres animados do mundo que cito. Lá adiam começos, finais, términos, despedidas e orgasmos. Não há pontos de convergência, de sutura, de fusão, de ônibus, de táxi, de coleta, de armazenamento, de prostituta, de carne. Apenas de interrogação. Nunca se chega ao ponto. Desmembraram a palavra ponto da interrogação. Vivem indagando sem ponto e pausa, sem explicação e espanto. Interrogação como patrimônio da humanidade. Cultuando a dúvida como opção de liberdade, mesmo que ela seja uma corda e se enforquem nela.
A pontuação que vá para puta que a pariuque deve ter sido alguma linguista pentelhacomo aos montes que encontro por aí adorando um ponto final, dois pontos ou um ponto de exclamação.
Ponto final?

12 de julho de 2011

Piruá na praça

Comecei o discurso na praça sem saber o que dizer: "Sempre tive certa admiração pelos piruás. Os grãos de milho que não estouram. Faço questão, que se algum grão tiver uma mínima fissura em si, eu o trituro para dar-lhe o título de pipoca, mas de maneira inversa as outras. Inverso, eis a beleza. É o grão que sob o fogo não deixa de ser o que é para ser bonito para alguém. A tal da ditadura da beleza. É preciso estar ao inverso para se assustar quando ouço uma garota de 16 anos, dizer que gasta R$700 por semana, no salão de beleza. É preciso estar ao inverso para apreciar mais inteligências do que músculos.
Se eu conhecesse Rubem Alves, discutiríamos. No seu texto, 'A pipoca', ele faz uma analogia em que diz que o piruá é aquele que se recusa a mudar, que o único destino do piruá no fundo da panela é o lixo. Não querendo afrontar um dos grandes escritores contemporâneos, mas não acho que seja por aí.
O inverso é como Policarpo de Esmirna que foi levado a fogueira pelos romanos, mas não queimava. O inverso é como o milho levado a panela que não estoura, o piruá. Este tipo não pode ser considerado o lixo, ele é o bravo. É algo que não quer ser como o resto branco, uma flor linda aos olhos de quem vê, que alimenta bocas famintas que rejeitam piruás. Ele ainda pode ser germinado. Pode ele ser o gerador de outras pipocas, volúveis pipocas.
Donos de histórias incríveis, se juntarmos todos piruás formaríamos um grande exército da resistência. Já as pipocas, essas pobres desabrocham e morrem, sem ter o que contar.
Não quero criar metáforas para milhos e homens, só enalteço a coragem dos bravos..."
O pipoqueiro cortando minha fala, apenas me disse com sua boca murcha: "É dois reais, campeão!".
Olhei para trás e vi uma fila que tinha se formado, um tanto quanto impaciente, obviamente esperando sua pipoca, e não para escutar minha explanação.
Tanto falei dos piruás que no meu saco só restou pipoca e bacon, que é como angu sem caroço.
A verdade é que eu queria uma pipocada filosófica na praça ou pelo menos uma conversa rápida, não funcionou. Fui correndo pegar meu ônibus que já estava de saída, como sempre, como um piruá.

6 de julho de 2011

Horóscopo - Retrato II

Hora do café da manhã que eles tomam juntos todos os dias. Bernardo chega na cozinha e Carol já está sentada à mesa com seu inseparável notebook. Por costume, ela sempre sai da cama antes e deixa o café sendo preparado na cafeteira. 
Ele dá uma ajeitada na camisa que está por dentro da calça e leva o fragrante café, forte como ele gosta, até a mesa. No caminho ele faz um afago na sua mulher, beija seu rosto suavemente e em um relance vê o que ela lia no computador. Usando ironia a questiona, já sentado do outro lado da mesa:
— Lendo o horóscopo de novo, amor?
— Deixa eu imaginar que alguém pode saber o que vai acontecer comigo durante o dia, e no fim dele nem lembrar qual era a previsão. 
— Ah, então é assim que funciona?
Agora conversam como se seus olhos se interpenetrassem, as sobrancelhas dos dois descem e os risos ficam armados. Carol, continua em um tom ameno, é assim que dialogam:
— Pelo menos comigo é.
— Não adianta eu te falar de novo né? Que isso era usado como previsão de tem-po, para a colheita e consequentemente o bem estar do povo, que o astrólogo do rei ou faraó era uma das pessoas mais importantes na sociedade, que o sistema foi ficando ultrapassado e com isso surgiram furos durante toda a história, e que de repente a partir da fusão com a mitologia grega, ele começou a ser usado para prever o fu-tu-ro. E a senhora pare com esse sorriso cínico!
— É que você não vê o brilho dos seus olhos defendendo a sua posição, mesmo eu sendo sua esposa.
— Isso tem a ver com meu signo? - Pergunta ele desarmando o sorriso.
— Não sei. O que eu lembro é que nossos signos combinam.
— Um agradecimento aos deuses do Olimpo então, se é que deve ser a eles o agradecimento. Pelo menos agora não precisa mais ir na banca comprar a revistinha do grande João Bidu, pode ver na internet.
— Mania sua de querer usar seu racionalismo na crença das pessoas. Fazer o que se bebem da água errada?
— Fé. Senhor, eu acredito, mas aumentai a minha fé.
— Amém!
— Sabe que não ligo muito, mas gosto de discutir sobre. Eu relevo isso por você. Só não acho que uma mulher inteligente como você precise ler horóscopo, mas tudo bem. Vamos embora que está na hora de trazer o leite para casa.
Enquanto ele saía da cozinha em direção a porta da sala, ela leu o horóscopo dele.
"LIBRA: Amor - Vênus entra no seu signo e deixa tudo no melhor estado possível, apenas evite brigas por pequenos detalhes no relacionameto, relevar é a palavra."
Carol riu sozinha lembrando da recente fala de Bernardo. Apesar de não ser de libra, quem vai relevar os pequenos detalhes na relação para não fugir da recomendação é ela, que vive lendo dois
signos diferentes.

4 de julho de 2011

Medrismos

Vivo procurando esse algo. Talvez eu procure pelo nome errado. Não sei se procuro por aventura ou sobrevivência. Adoro utopias e caças ao tesouro, uma espécie de Indiana Jones, que não corre de grandes bolas de pedra, mas sim de grandes medos. Medo de não encontrar, medo de encontrar o não imaginado, medo de perder, medo do encontrado não poder vir junto, medo do encontrado não querer vir junto, medo de dormir e sonhar, medo dos caminhos, medo dos abismos, cordilheiras, serras, montanhas e desfiladeiros onde procurar, medo de cair, medo de virar a esquina, medo dos corredores de supermercado, medo de ventos uivantes, medo de dia chuvoso, medo da lucidez, medo de gritar, medo do espelho, medo dos meus enigmas, medo do meu medo, medo do me do e do, e do... Meu santo graal, só busco.
Talvez o que eu procuro me procure, nos tornamos uma ouroboros. Um cachorro caçando seu próprio rabo.
O medo é a garantia da existência humana. Continuo procurando, até achar ou algo me encontrar em seu medo.