Invadiu a casa. Antes disso frequentou a varanda por anos, em silêncio. Até que um dia voltou a chover depois de tanto tempo, chuva outrora recorrente, hoje recorrente. Inundou a varanda, então abriu a janela e entrou. Do tumulto, silêncio. Invadiu
a casa. Isso há 500 dias. A casa, em silêncio. Fiquei tonto no dia da invasão,
rodou comigo por alguns minutos. Aos poucos o silêncio tomou forma e já dizia devidamente contextualizado. A primeira providência foi encontrar mais uma
cadeira para a cozinha. Uma a mais, um a mais, foi sobrando pouco espaço para o
tumulto, que não acreditava no que estava acontecendo. O silêncio argumentava
que não precisava dizer, era inevitável. Inefável. A cozinha do
café sob medida. A sala do sofá apertado. O banheiro dos xampus tampados. O
quarto dos travesseiros desconjuntados. O agora – desde sempre – nosso cômodo do amor guardado.
Tranquei nosso oásis. Não há chaveiro, bombeiro, bandido, que abra esse cômodo.
Sem comodismo, é cômodo estar no cômodo. É autossuficiente. Tudo foi plantado
corretamente. Esmerado. Hoje germina amor, colhe felicidade. Isolados. O tempo
escorre rapidamente pela janela levando luas e sóis, estações e anos, enquanto a
chuva ainda lava a varanda. Como Ziusudra sobreviveu e depois mostrou a Gilgamesh sua imortalidade sobre as águas. Aprendeu que isso não é possível para todos.
Num dilúvio de 500 dias e 500 noites.
Num dilúvio de 500 dias e 500 noites.