29 de janeiro de 2012

Lenda

Volta ao nosso tempo mais remoto.
Olha-me, amor, olha-me com tuas pequenas pupilas
que ardem em silêncio. Quando olhares, como Medusa,
não transforma-me em pedra, mas consubstancia-me
com a terra. Terra porosa, vermelha e rica em vida.
Olha-te, amor, olha-te pelo meu olho de grandes pupilas
que desenham-te ao pestanejar. Faz o mesmo, porém
consubstancia-te com água. Água cristalina, límpida
e detentora de vida.
Então em nosso leito corre lenta sobre mim.
Alimenta-me em vida até ser toda absorvida,
para não evaporar ou contaminar-se no percurso.
Nosso aquífero.

Cria anfíbios que vivem no canal, e quando secar,
mudam para formas na terra,
antigo fundo do rio, ainda umedecido.
Escreve sobre criaturas medievais que existiram, 
com chifres e rabos, gigantes e tétricos, que
atormentavam quem por lá navegava e fazia aquele
rio deserto e manso.
Enquanto sabem que estamos embaixo, absortos
numa única matéria, coloca isso num bestiário para
alimentar a esperança de que histórias e amores como esse
ainda existem. Por mais escondidos que estejam.
Protegidos em nossa profundidade.