14 de dezembro de 2012

Dilúvio

Invadiu a casa. Antes disso frequentou a varanda por anos, em silêncio. Até que um dia voltou a chover depois de tanto tempo, chuva outrora recorrente, hoje recorrente. Inundou a varanda, então abriu a janela e entrou. Do tumulto, silêncio. Invadiu a casa. Isso há 500 dias. A casa, em silêncio. Fiquei tonto no dia da invasão, rodou comigo por alguns minutos. Aos poucos o silêncio tomou forma e já dizia devidamente contextualizado. A primeira providência foi encontrar mais uma cadeira para a cozinha. Uma a mais, um a mais, foi sobrando pouco espaço para o tumulto, que não acreditava no que estava acontecendo. O silêncio argumentava que não precisava dizer, era inevitável. Inefável. A cozinha do café sob medida. A sala do sofá apertado. O banheiro dos xampus tampados. O quarto dos travesseiros desconjuntados. O agora – desde sempre – nosso cômodo do amor guardado. Tranquei nosso oásis. Não há chaveiro, bombeiro, bandido, que abra esse cômodo. Sem comodismo, é cômodo estar no cômodo. É autossuficiente. Tudo foi plantado corretamente. Esmerado. Hoje germina amor, colhe felicidade. Isolados. O tempo escorre rapidamente pela janela levando luas e sóis, estações e anos, enquanto a chuva ainda lava a varanda. Como Ziusudra sobreviveu e depois mostrou a Gilgamesh sua imortalidade sobre as águas. Aprendeu que isso não é possível para todos.
Num dilúvio de 500 dias e 500 noites.