23 de novembro de 2011

Agora, ficas em mim

És o que senão matreira?
Sem esforço me invades.
Já éramos antes de ser.
Um vulcão inativo. Tu em mim.
Apenas aguardando o exato momento
da erupção.
Agora, ficas em mim.
Então emergiste
em magma e cinza.
Lavas e petrificas todos que a trouxeram aqui.
Ativaste este vulcão lavando suas rochas
sulfurosas neste cafarnaum.
Agora, ficas em mim.

Voltas ao centro da Terra comigo.
Da tua linda superfície florida
ao teu calor interno de ferro
que me nutre todos os dias.
Escorres e moldas as paredes que dispus.
Agora, ficas em mim.
Nadas como sereia em minhas fendas
por ti abertas. Toma-me em êxtase.
Deleitas meus novos caminhos
do núcleo à boca. Cozes teu amor
em minha vastidão deserta ocupada por ti.
Agora, ficas em mim.
Fechas meu acesso superior
com tua inocente sombrinha xadrez.
Massageias meus sulcos de lava
em tuas mãos ferventes.
Ou congela-me se quiseres.
Agora, ficas em mim.

20 de novembro de 2011

Um grito

Um grito. Um brado para dentro que ninguém ouve. Um andar perdido em meio a multidão que passa sem parecer ter rumo. Para onde vão todos? E esses carros? A senhora com o cachorro onde vai? Diga-me qual é última parada dessa linha.
Um grito. Um olhar que tudo vê e nada enxerga. Um desabrochar de misérias humanas boiando no mar da ignorância do eu. Ah a decepção! Que bom que nos decepcionamos com as pessoas. Triste seria se o outro vivesse preso a tua concepção do que é certo. A maior das prisões é achar que está liberto. Tua liberdade te faz refém.
Um grito. Um fazer que não ocupa o ócio. Um ganhar que inunda o ser com nada. Porque nada também preenche, às vezes mais do que o tudo. Imediatismo barato que ilude e rouba quem prefere o rápido, o raso, o momentâneo. O que é ganhar? Quem sabe venha a tua cabeça o dinheiro, o sorteio da loteria da Babilônia, uma linguagem secreta de cifras.
Um grito. Um cair que fratura a alma. Um amar que não é paciente. Se quer perfeição, aquilo que já está pronto, não se está disposto a renunciar com o outro. Vai se transformando em um campo minado. Sábio apóstolo Paulo, "o amor tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo vence. O amor jamais se enfraquece", senão venceu não era amor, quem sabe status, necessidade, egoísmo.
Um grito. Um imaginar com a mão. Um sistema com muita informação e pouco conhecimento. Quantos cliques a senhora do cachorro deu hoje? Clica-se roboticamente. Que alguns loucos sobrevivam ao não imaginar.
Um grito órfão, indigente, marginal, que não ecoa ou reverbera. Um dia quem sabe adotem o grito, apesar de preferirem um sussuro.